sexta-feira, 14 de julho de 2017

Resenha baseada no livro A Mãe de Máximo Gorki, Editora Expressão Popular. Conforme orientações do prefaciador Frei Betto.

A barra pesou desta vez concluiu, melancolicamente, Maria uma quilombola acima de 50 anos, estatura mediana, sofre de escoliose e seus cabelos brancos fazem aparecer mais velha do que é. Cabisbaixa, seus olhos marejados estão fixos em seus dedos que seguram um velho rosário.

Aquela aflição parece não ter fim, Maria medita sobre aquele grande mal que estava rodando a sua vida há tempos. A demora aflige a cada segundo o seu coração materno. Um fio de esperança a amarrou naquele sofá e não a deixará ela não saber da verdade... com seus próprios olhos.

Escondida em algum ponto da sua alma, uma dor lancinante se lambuza com mais uma rodada de desgraça que aportou na vida de sua dona. Outra parte do inconsciente de Maria insiste em rememorar alguns acontecimentos. E nas passagens mais dura outra carga de lágrima é liberada. 
                                                                                                Maria sabe recorrer ao seu coração para obter a resposta. Mas primeira ela tenta pacificar a sua mente inquieta que que exige dela o próximo passo? Do outro lado o celular vibra com a chegada de mais uma mensagem de amigos querendo saber como tudo acabou.

Maria, seus filhos e seus familiares sempre viveram numa cidade do Interior Paulista. Desde criança ela ouve dizer que seus familiares paternos descendem de ex-escravos na região. Dessa forma, aquela terra onde ela vive tem sido passada de geração a geração da sua família.

Maria  e sua geração não recebeu a devida Educação que lhe permitisse compreender de forma mais ampla o seu papel como mulher, negra, afrocaipira, agricultora, cidadã, etc. Até que o destino decidiu que ela teria que fazer um intensivão disso sem comunicar-lhe.

O atual prefeito municipal se considera um homem prático, determinado e quer cumprir uma de suas promessas eleitoreiras: construir mais moradias populares. Diga-se de passagem, uma atitude altruísta tendo em vista o descaso histórico em relação à moradia no Brasil é crônico. 

Maria desconhecia o significado do termo divisão de classes. Ela, como a maioria dos brasileiros, entende que o voto como algo que se encerra no dia da eleição. Agora ela sabe que esse comportamento permitiu que aquela realidade fosse criada.

Em décadas pretéritas o governo local iniciou um processo de desapropriação de pequenas propriedades rurais para construir casas populares na periferia da cidade. Época em que a cidade aderiu à industrialização. Concomitantemente, a elite elabora o seu plano de segregação espacial.

E, como a demanda por moradia era aguda ninguém reclamou ou entendeu este movimento. Além do mais para o pobre o mais importante era conseguir a sua casinha para começar ou recomeçar a sua vida. Dessa foma, o projeto habitacional segregador avançou sem nenhuma resistência. 

Mas, o certo é que anos depois a estratégia habitacional provocou a desarticulação de parte da rede de produção de hortifrutigranjeiros da cidade. Consequentemente aumento o caro o custo de vida dos mais pobre. Tal atitude num País sério isso seria considerado um crime.

Só que a modernidade com seu um mantra entorpecedor: o consumo insustentável. Dessa forma, o cidadão ou consumidor não questiona a gama de impactos ambientais como: os lixões, os aterros controlados que também acirram a disputa pela terra.

Nessa situação seria esperado que a questão fundiária fosse questionada. Só que como já dissemos acima, a estrutura política brasileira protege os latifúndios. O que faz com que a sociedade apoie o frouxamento da legislação ambiental e questione os quilombos como o de Maria.

E havia um bom motivo para isso ter acontecido. O espertinho do prefeito local não quer saber de perder o seu Caixa 2 e outros benefícios que os "Grandes" sempre lhe ofereceu por manter a ordem social e territorial igual aos tempos de Abrantes.

Maria jamais poderia imaginar que um dia as áreas de proteção ambiental, de quilombos e de aldeias indígenas sofreriam um retrocesso político neste início do século 21. Estes extratos fundiários agora sofrem assédio intenso por pressão de cima para baixo.

Agora Maria compreende por qual razão o reconhecimento do seu quilombo empacou. A elite local não quer enterrar os planos de apropriação do seu pedaço. E para piorar este assunto é muito obscuro na nossa legislação. Qualquer iniciativa neste sentido pode ser algo hercúleo e angustiante.

Marino, seu filho mais velho e advogado havia se lançado nessa arena por ser um idealista. Ele foi um dos poucos do quilombo que avançou nos seus estudos. E num dia em que estava meditando uma voz incorpórea lhe avisou que a urbanização tomaria o seu amado lar.

A partir desse dia ele enfrentou tanto a resistência familiar quanto a social quando entrou no Largo do São Francisco. De onde voltou formado e finalmente fazer o trabalho que o Governo tem evitado há séculos. Para que nunca mais seus descendentes sejam maltratados por poderosos.

Infelizmente foi a dor que abriu os olhos dos parentes de Marino para o perigo. Antes, cheios de soberba sabotaram o trabalho de Marino. Sempre rebatiam a outra perspectiva com um frágil e velho mantra de que eles não seriam perturbados, pois pagavam os impostos. 

Para o advogado descendente de quilombola seria necessário ousar em termos espirituais. Falando mais claramente: rever uma característica indolente e danosa herdada: superar a incompetência familiar de gestão de bens. Já que aquela terra ainda era devoluta. 

Aceitar a saída do seu filho "rebelde" da barra da sua saia não foi fácil para esta senhora. Mas, o que pesou favoravelmente em apoiar esta questão foi um velho remorso. Mesmo sabendo que seria execrada pelos seus parentes, Maria decidiu que fosse feito a vontade de Deus.

O outro fato que deu respaldo para que Maria apoiasse o filho era algo íntimo. Quando jovem Maria ela havia se apaixonado por um palhaço de um circo que havia passado pela sua cidade. Mas, por não querer desagradar os familiares se resignou e não lutou pela sua felicidade. 

Maria não aceitou em carregar consigo também aquela dor. E mesmo a contragosto do marido alcoólatra e violento permitiu a saída do filho. Mas em seu íntimo Maria alimentava a esperança de que seu filho não se desse bem na “capitar” São Paulo.

Mas, Maria foi traída mais uma vez pelo destino e seu filho não só se formou como também o retorno de Marino conturbou o ambiente familiar. A impulsividade de Marino em atingir seus objetivos havia crescido com os estudos e acirrou ainda mais a inimizade de alguns familiares contrários.

Aliás, demorou para que Maria entendesse o que seria necessário para a terra era dela e seus parentes fosse realmente deles. E que para isso todos teriam que conversar com o Direito. Maria era ressabiada com a Justiça há tempo, pois esta havia retirado a terra de outros vizinhos. 

Maria lembra que a maioria dos desapropriados acordou assustada de manhãzinha com o ronco das máquinas de terraplanagem e trabalhadores da prefeitura refazendo o limite das propriedades para a construção de novos conjuntos habitacionais.

Até agora Maria não engoliu a justificativa de que Marino havia sido preso por desacato à autoridade. Não há quem lhe tire da cabeça que os "grandões" querem tirá-lo de circulação para impedir que seus atos pudessem impedir as ações arbitrárias da prefeitura em direção ao seu quilombo.

Após a malsucedida invasão do seu quilombo pelos agentes da prefeitura Maria e seus familiares ganharam notoriedade. Desde o momento que a sua história chegou ao Jornal Nacional ela não teve mais trégua. Afinal depois da Laja Jato esse foi a assunto mais perturbador que havia surgido.

Há meses que Maria deixou de lado a sua enxada como de costume para fazer vigília na frente da prefeitura para levantar um cartaz com a caligrafia de um dos seus netos clamando por justiça. Aos poucos sua atitude atraiu curiosos e fã tanto do Brasil quanto do Mundo.

Maria ficava impressionada com as aulas públicas que ela ouvia de doutores e líderes de causas sociais que se solidarizaram com a questão. Não havia um minuto em que ela era convocada por uma equipe de repórteres para que ela desse uma entrevista. 

De repente, ela sentiu que não fazia feio perante as câmeras, pois sempre havia prestado atenção na atitude calma e firme de Marino. Muitos dos apoiadores e Marino convenceram que algumas passeatas nas ruas principais da cidade ajudariam a causa.

A mãe de Marino ganhou destaque internacional e virou xodó da mídia por meio de longas reportagens no New York Times, na Paris Match, na BBC etc. Mais uma vez o mundo civilizado puxava a orelha do Brasil em relação ao seu descaso com os direitos sociais. 

No mundo virtual a coisa não foi diferente, várias moções eletrônicas circulavam exigindo justiça. Contudo, Marino teve o azar do caso ter caído nas mãos de um juiz que também era seu inimigo. E esta autoridade, insana demorava na análise dos pedidos de relaxamento da prisão.

Contudo, Maria não revelou para ninguém a dor que sentiu em seu coração quando viu aquele corpo estendido naquela gaveta do IML. Ela segurou a avalanche de dor que queria estourar dos pícaros da tristeza. O seu orgulho manteve seu semblante com a expressividade mais neutra possível. 

Em segredo Maria ouvia vozes incorpóreas que lhe diziam que ela mais do que nunca, deveria prosseguir no trabalho de reconhecimento da tua terra. para  que a morte de Marino não fosse algo em vão. O belo rosto do filho parecia lhe transmitir aquela notícia que ele não pode dar em vida.

Enquanto isso, um dos funcionários do IML lia no ecrã do telefone móvel a notícia de que um Ministro havia saído da cidade há instantes e que no roteiro original ele entregaria pessoalmente o documento que reconhece finalmente o quilombo do Cafundó. 

Mas, por algum motivo o roteiro havia sido mudado e que o prefeito havia recebido a demarcação do seu quilombo. Contudo, sem entrar em detalhes sobre a situação dos demais processos que, pelo jeito, continuarão sendo sufocados pelas vontades de políticos comprometidos com interesses escusos. 

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